09/06/2016

"SINCRETISMO DE ALMA"



 Se existe algo realmente do qual eu necessito, minha alma pede, meu coração exige, meu emocional implora e meus poros reclamam; certamente são as longas conversas. 
  Tive a impactante surpresa de ter há alguns dias, um antigo apelido ressurgido, trazido de outras cinzas de um outro tempo de um outro espaço:  ""nega""!
 Já haviam me chamado assim antes, há ainda quem assim me chame.
 Mas as palavras, dependendo de da vontade de quem as profere, são dotadas da magia de carregar e dispersar as energias do momento.  E no decorrer dessa conversa, ""nega"", soou como um mantra oriundo de paragens africanas, navios negreiros, porões corrompidos pelo cativeiro, cânticos assustadoramente belos, desesperadamente sedutores renascendo em lendas,
 Negritude de suores e sal.  Negritude de sensuais e surreais lamentos.  Meiguice em gemidos transtornados pelo tempo! Santa raça de forças sobrenaturais. Mística raça que carrega consigo ancestrais e orixás. Magna força mansa em silenciosa batalha de murmurantes inglórios, bailando em águas turbulentas.
Corpos untados... perfumados... brilhantes, serpentes escorregadias, transformando-se em braços e pernas evocados para cumprir rituais.  Alguns de encantamento.  Outros de entrega desabando em amar... Culto ao mar! Sensualidade do sagrado!
Algo me enviou velozmente para os seios de minhas antigas mães.  Fartura de conhecimento em leite! Faminto deleite!
Encontrei almas de negros e negras. E eu ""nega""!  Descendente em apostolado, em oculto aprendizado!
 Em meus ouvidos espirituais, a voz do tempo me chama insistentemente: ""nega""!!! E escorrendo sob o vibrar de misteriosa fala, ecos de tambores e atabaques me consomem.  Ousada viagem.
Chegam como longínquos e ritmados rumores, águas de amores, medos de solidão, prazer em profusão!
 Preces dispersas dos milenares orixás...
Velinhas boiando em minhas mãos ecumênicas, carrego seculares crenças.  Resquícios da umbanda! Contas reverenciadas em cachoeiras! Ensurdecedor amor pela natureza.  Ah! Força da mãe lua! Rege-me!  Guia-me!
 Me encanta oxum das águas, mostre-se que eu vim lhe ver, ver que o lírio é você!
Outras contas transparentes se entrelaçam e, despejam-se entre meus dedos, arrematando-se em cruzes cristãs! Rapidamente minha alma registra o velho rosário de contas naturais que meu avô Lourenço fazia e usava sob a camisa. Transmuto-me para a sala de minha avó e Madrinha, e a vejo com o rádio ligado, a toalhinha branca sob o copo com sobre água e óleo...
Quantos tons de dourado!  O sol das 15 horas rasga a sala partindo-a em duas... mais tons de ouro em luz... minha dimensão é a dela! Um grito alucinante de minha mais profunda memória me faz reconhecer a fala de padre Vitor Coelho em sua consagração à nossa senhora aparecida.  Choro e percebo que ninguém evangelizou melhor e mais lindamente!

 Ressurjo agora imensamente negra de tambores!
 Desnuda índia de rituais e feitiços mágicos!
 Misticamente embebida de rituais católicos!
 Encantadoramente embalada por orixás e ancestrais!
 Milagrosamente redimindo-me de mim mesma!
 Amando... gritando... reverenciando as diversas manifestações do sagrado... E iniciando as minhas viagens astrais!
Negra eu! Negro meu pai!


POR CÉLIA MOTTA


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