Incrível como conservara a candura ao
longo dos anos. Impressionante como os olhos ternos passaram sempre as mesmas
mensagens de afeto. Sabia amar incondicionalmente, como as crianças amam descomplicadamente!
Como toda menina moça de sua época, Edithe
frequentava o patronato de moças na cidade de São Manuel. Afinal, moças
precisavam aprender a bordar, pintar, e agregar beleza e capricho no dia à dia
de uma casa. Edithe ia e vinha todos os dias de trem. Rotina de alegrias e
sonhos.
Entretanto, num dia pré determinado
pela vida, no ano de 1940, aos 13 anos, a menina moça teve seus sonhos roubados
por obscuras forças que a dominaram. O seu ser já não mais comandava as
próprias vontades!
Contam os mais antigos, que na guardiã
de lendas ouviu cascos de cavalo galopando freneticamente, adentrando as nossas
ruas, e um belo homem, morador da boa vista bradava ao vento: "cadê o Zé?
Cadê o Zé? O bicho da boa vista está com a filha dele agora!
O Zé, era o pai de Edithe. E o homem a
cavalo era seu irmão Lázaro.
Logo em seguida, Edithe desembarcava
na estação de Alfredo Guedes, muito confusa e histérica, amparada por um
responsável do patronato de moças. E naquele momento, chegaram ás vozes,
chegaram as visões e se foram os sonhos de menina! Erguia-se ali, o castelo de
medo e mistério.
Nunca se soube como lázaro teve
conhecimento antecipado dos estranhos males de Edithe. À época, vivia ele na
fazenda boa vista, não haveria como saber... No entanto, ele anunciou o que
estava por acontecer.
Então iniciara-se junto com essa fusão
de dimensões, a extensa lista de promessas feitas e cumpridas em favor da saúde
física e espiritual da meiga menina.
Sempre doce, autêntica e simples, era
extremamente solícita e amável! Amava, e muito, e muito parecidas com as
mudança dos ventos, de tempos em tempos vinham as crises. Sorrateiras como as
tormentas que se formam devagar, inteligentes e imprevisíveis como as
serpentes! E posicionavam-se demolindo as esperanças e o entusiasmo. E o medo
imperava. E do medo alimentavam-se as tormentas!
Tudo corria bem, e de repente algo no ar se transformava
em prenúncio de um estranho silêncio. Alucinante e ensurdecedor! A tristeza e o
medo se faziam presentes no lindo semblante da menina, e ela recolhia-se em seu
quarto escuro. Silêncio total na casa. Tudo quieto aguardando uma explosão que
certamente aconteceria. Ela já não se alimentava, seu olhar não era mais seu,
um estado de letargia e ausência se apoderava de seu ser. E depois de alguns
dias, ouvia-se um choro agudo que crescia na casa. Ao final do fôlego, já soava
como uivo. Longo, e triste. Seguiam-se os gritos e todos corriam para segurá-la!
E protegê-la de si mesma! E ouviam-se frases desconexas!
Durante toda sua vida fora assim,
fases e ciclos como a lua!
E assim caminhara até a vida adulta! Meiga,
inteligente, calma, mas, transformando-se de modo surreal em sua evolução.
Nunca, nunca mesmo perdera a mansidão
do olhar e o sorriso de criança, seu aroma surreal, seu perfume mágico, seu
cheiro de Lourenço ainda passeiam pelos seus pertences e guardados.
Não há mais choro, se foram os uivos
ensurdecedores, acabaram o medo e a escuridão! Fez-se claridade dourada para
finalmente viver os seus sonhos de menina moça, daqui, levara as recordações do
patronato antes do fatídico dia e um lindo terço com grandes contas
transparentes e num lindo jardim, depois de regar as rosas plantadas por sua
mãe, depois de sonhar acordada divagando com a revista Cinelândia na memória, Edithe
sorri, borda e desenha seus planos para o futuro, faz as artes que aprendera no
antigo patronato. Alegra-se pelo passar do tempo que é tão lento para ela.
O sol começa a se esconder e se faz
imenso rastro de luzes coloridas no horizonte. Ela se coloca de joelhos com o
terço de contas transparentes dançando entre os dedos delicados, não para
prometer nada, mas para cumprir os agradecimentos pelas antigas promessas
feitas à nossa senhora! Está enfim liberta dos males obscuros, sua mãe
celestial ouvira as suas preces e as de sua mãe Lazinha... E Edithe sorri
refeita em plenitude! Agora é feliz!
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